segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Jovem deve dormir mais para ajudar no desenvolvimento, diz especialista


Quem também dormiu pouco foi a equipe do Globo Repórter. O próprio repórter Alberto Gaspar acordou antes das 4h da manhã. Ainda não são nem 5h30. A equipe já está em Itapecerica da Serra, um município vizinho de São Paulo. Foi ao encontro de alguém que acorda e sai para trabalhar todos os dias neste horário, antes do amanhecer.


Alana Marques tem 17 anos. É estudante, rumo à faculdade, mas já trabalha como gente grande. Resultado: dorme bem menos do que gostaria. Antes das 6h, a movimentação já é intensa pela casa. O café da manhã é ligeiro. Ela revela que acorda todos os dias às 5h30. O café ainda é a refeição mais tranquila do dia. “É a que eu mais adoro”, diz Alana.

Hora de sair. O caminho é longo até o escritório. São 6h20. “Chego de madrugada e nem vejo a família”, conta a jovem. "Sexta é o dia que eu estou mais cansada. Acho que acumulou o sono de cada dia.”

A caminhada até o ponto inclui uma escadaria. Já amanheceu. Alana chega ao ponto às 6h45. Logo pega o ônibus. Dá para sentar, mas começa um demorado exercício de paciência. E isso só para cruzar uma parte da Zona Sul de São Paulo.

Agora, atenção: no reverso do fuso horário, o Globo Repórter vai conhecer o taxista Vanderlei Marques, que se despede da mulher e do filho. Só que a diferença, no caso de Vanderlei, é que o sol baixo não é de amanhecer: é de fim de tarde - ou de começo da jornada do trabalho dele com o taxi. "É por opção”, explica Vanderlei. “Faz dez anos.”

Enquanto o taxista dirige, há mais carro vindo do que indo. "Se eu deixar para sair de manhã, você não sai. Para chegar no centro, duas horas."

Vanderlei dorme de dia. Como será que ele se sente fisicamente? "Sou mal humorado. Sou um cara chato”, diz. "Tanto que, se eu pego um passageiro na hora em que eu saio de casa, eu não vou conversar muito. Se quiser assunto eu não vou conversar."

“Só eu que estou aqui fazendo muita pergunta”, brinca o repórter Alberto Gaspar.

Vanderlei segue a sua rotina, noite adentro. Ele volta para buscar Gaspar às 5h da manhã. O repórter sugere um cafezinho. Vanderlei conta que já tinha bebido outros quatro durante a noite. "Está batendo cansaço”, admite Vanderlei. "Vou para casa às 5h30, 6h."

A jornada estaria terminando, mas o Globo Repórter tem planos diferentes para Vanderlei. Ele vai dormir em outro lugar. O destino é o Instituto do Sono, onde ele vai descansar e passar por um teste.

Voltando a quem leva vida diurna, a viagem de ônibus da Alana já terminou. Ela diz que é sempre uma hora e meia de ônibus. Ela trabalha em um conjunto de escritórios. O expediente é das 8h30 às 17h. "Eu acho que no decorrer do dia a gente vai deixando um pouco o cansaço de lado", conta. "Pega o embalo e vai indo."

Começa a próxima etapa. Tome caminhada e tome ônibus. Na chegada ao colégio público, já é noite. Para jantar, só um salgado. Aproveita um tempinho antes das aulas para estudar um pouco. Há um ano e meio nessa toada, Alana se modificou. "Engordei! Eu não posso falar o quanto", ri.

Ganho de peso foi um dos sintomas relatados em um estudo da faculdade de saúde pública da Universidade de São Paulo, feito só com estudantes que dormem pouco porque também trabalham.

"Por ser o primeiro emprego, eles acabam querendo fazer mais”, explica a pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Andréa Aparecida da Luz. "Na hora do lanche, eles acabam comendo cachorro quente, coxinha, pizza. Aí, quando chegam em casa, se dá tempo, se alimentam. Se não dá, vão direto para a cama."

"Eu chego em casa já querendo a minha cama”, reforça Alana. "Cheguei a dormir em sala de aula, algo que eu pensei que nunca iria acontecer.”

Gaspar pergunta para a turma quem já cochilou em aula. Todos levantam a mão. A resposta é a mesma quando o repórter pergunta quem trabalha durante o dia.

De volta à pesquisa sobre quem estuda, trabalha e dorme pouco: "Estresse, tem um desgaste físico e mental muito grande. Então eles se queixam bastante da rotina de trabalho e estudo como um desgaste”, diz Andréa.

Alana ainda tem cinco aulas. A turma tem um dia carregado, mas, quando questionados se pensam em parar de estudar, ficam em silêncio.

"O adolescente tem necessidade de mais sono", aponta Frida Marina Fisher, professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. “Os jovens, na puberdade, entre 11 e 12 anos, até mais ou menos 20 e 21 anos, têm um atraso do início da hora de dormir. A quantidade de horas também precisa aumentar nessa fase. Normalmente, os jovens dormem mais. Têm que dormir mais. Precisam dormir mais, porque eles estão em desenvolvimento físico. O hormônio do crescimento, por exemplo, é liberado à noite. Então o sono é importantíssimo."

O hormônio não serve só para crescer. Protege os ossos, produz massa muscular e reduz a gordura do corpo. Ou seja: é fundamental também para adultos, como o Vanderlei.

Antes de dormir, no Instituto do Sono, depois de uma noite de trabalho, ele ainda passou por testes de reflexos, com um sinal luminoso. Uma plataforma avalia o equilíbrio. A meta é oscilar o mínimo possível. Só depois Vanderlei teve o tão esperado descanso. Ao acordar, repetiu os testes. No primeiro, quase não houve diferença.

“Do ponto de vista mental, ele estava bem antes e depois de dormir. Quando fizemos o teste da plataforma de equilíbrio, ele se desequilibrou e não teve uma boa resposta motora. Mas depois de dormir, teve basicamente 20% de recuperação", diz Marco Túlio de Melo, professor da Unifesp.

Segundo o pesquisador, depois de quase 22 horas sem dormir, o efeito é comparável a tomar cinco copos de vinho ou dez copos de cerveja.

Uma situação flagrada muitas vezes nas rodovias: motoristas com um típico sinal de embriaguez e certo desequilíbrio, mas que passam com louvor, limpos, pelo teste do bafômetro. Isso chamou a atenção da Polícia Rodoviária Federal, que pediu ajuda à ciência: como comprovar que alguém está bêbado de sono?

Assim surgiu a plataforma que parece uma balança, ainda em testes, que a polícia espera usar no futuro, como faz com o bafômetro.


Incentivador do projeto, o médico e inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Marcos Basílio, tem dúvidas sobre os números registrados nas rodovias federais: no ano passado, 276 mortes foram provocadas por sono ao volante. Só no primeiro semestre deste ano, mais 169 mortos. Ele acha que há muitos outros casos não identificados, por não haver sobreviventes ou certos sinais característicos.

“Geralmente não tem marca de frenagem, e, na maioria das vezes, o veículo tem uma trajetória retilínea tangenciando a rodovia. Vai saindo da pista até bater”, explica Basílio.

Vanderlei está se preparando para mais uma jornada noturna. É torcer para que ele, que batalha tanto pela família, não se esqueça de cuidar também de si mesmo, da própria saúde.

Acompanhamos a última parte da maratona diária de Alana. A saída da escola é às 23h. No ônibus, ainda longe da cama, sonhos que a menina revela: "Para agora, o que eu mais quero é passar no vestibular para entrar na faculdade no ano que vem.”

Depois de 0h, nas ruas desertas, já perto da casa dela, o repórter Alberto Gaspar se pergunta o que dizer para uma menina dessas, na despedida. “Vai dormir que está na hora”, conclui.



Fonte: Globo Repórter/ Assista ao vídeo.

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